quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Exceder, desviar ou usurpar? Eis a questão.

Agentes públicos são dotados de inúmeros atributos, atributos estes que vão de deveres a poderes; dentre estes poderes, destaca-se o Poder de Policia, poder este que tem o atributo de autorizar o Poder Público a aplicar decisões coercitivas, obrigando os particulares. Só que todo este poder pode (o que acontece comumente) acarretar defloramentos e excessos; que aqui chamamos de Abuso de Poder, ou Excesso de Poder ou também Desvio de Finalidade e por fim Usurpação.

Diremos em breve esclarecimento que Abuso de Poder é gênero que origina o Excesso de Poder ou o Desvio de Poder ou de Finalidade. Desta fora o Abuso de Poder pode apresentar-se como o Excesso de Poder que é a extrapolação da competência legal do agente público. Manifesta-se também pelo Desvio de Poder quando o agente público atua contrariamente ao interesse público e desviando-se de sua Finalidade. Estas são formas arbitrarias de atuação e ação de agentes públicos dando as costas a Administração e ao Principio da Legalidade que é adstrito a Lei Constitucional. Outrora o abuso se configurava apenas pela ação, hodiernamente a omissão é também característica mor deste.

O Poder conferido aos agentes públicos é para ser usado em prol da sociedade, e não para oprimi-la, é para o patrocino da Administração Pública que tem como cliente maior o Povo. Partindo deste pressuposto os poderes devem funcionar “a pleno vapor” para promover esta condição.

Todavia, redutos do nosso estado quiçá do nosso país, vivem longe dos olhos do Estado e as margens da lei. É o caso das chamadas “feiras do rolo” ou “feira do rato”, tema de um recente artigo de autoria do Major PM Carlos Henrique; publicado aqui no Abordagem. Estas ‘feiras’ proliferam como pragas nas cidades de todos os portes e tamanhos, como uma variedade infinita de produtos; e de preços ínfimos (muitas vezes bastante atrativos aos olhos populares), elas concentram uma gama de ilicitudes que invariavelmente podem por em risco a vida dos próprios usuários.

Funcionando regularmente nos arredores do SAC, na Avenida Olímpio Vital, Centro de Feira de Santana, a "feira do rolo" tem causado dor de cabeça para as autoridades policiais, que tentam combater a violência que cresce a cada dia na cidade. De acordo com estas autoridades, a maior parte dos produtos ali comercializados é proveniente de furtos e roubos, tendo nas armas como o maior problema e o foco das operações. Porém em recente batida, além dos produtos contumazes (e nada de armas...), foram apreendidos cerca de 500 frascos de doces e compotas vencidas e adulteradas. Tal apreensão que ensejou o chamado da Vigilância Sanitária, órgão competente para tal, mas qual não foi surpresa dos policiais ao saber da recusa desta autoridade, em comparecer ao local, alegando falta de transporte, falta de pessoal, falta disso e daquilo (comum no interior isso acontecer, só o que funciona mesmo é igreja e a PM); sendo assim todo o material foi levado para a Delegacia de Policia. Surpresa maior estava por vir, hora após apreensão de todo material, e das manchetes nos meios de comunicação o Chefe da vigilância sanitária, deu entrevista dizendo que as policias usurparam as funções da sua entidade e que estes poderiam ser alcançados...

Deixando de lado a “provável” omissão do órgão competente (A vigilância sanitária, é claro!), pois a mesma tem por obrigação esta função (com Poder de Polícia e tudo mais... previsto na lei 9.782/99 alterada por MP 21190-34 que criou a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária, vinculada ao Ministério da Saúde e que deu competência aos estados membros e municípios para criar e fiscalizar...) e demais questionamentos acerca do exposto... Atendo-nos apenas ao que diz respeito à acusação de usurpação, pode-se dizer que o expediente utilizado pelo chefe da vigilância sanitária, além de esdrúxulo é inconsistente. Como dito anteriormente o uso do poder é prerrogativa da autoridade. Devendo esta tão somente empregá-lo de forma legal, atentando para a moral da instituição, a finalidade do ato e o interesse público. Abusar do poder é usá-lo ao arredio da lei, em dissonância com utilidade pública. Isto posto, vamos ao versado.

Nos atos administrativos temos algo chamado de vícios, a palavra vício indica um defeito grave, o que torna algo inadequado, inapto. O vício administrativo é de forma simples, um defeito existente neste ato administrativo, ou seja, uma imperfeição do ato. Tais vícios nos atos administrativos, relativos ao sujeito, dividem-se em duas partes: os relativos à incompetência e os relativos à incapacidade – Falaremos apenas da (in) competência - A competência esta definida em lei, constituindo assim uma garantia ao administrado, sendo ilegais atos praticados por aqueles que não sejam detentores das atribuições fixados em lei e também quando o sujeito o pratica exorbitando de suas atribuições. Nos termos do artigo 2º da Lei 4.717/65, a incompetência fica individualizada quando não se incluir nas atribuições legais do agente que a praticou. Os principais vícios concernentes à competência são: excesso de poder, função “de fato” e usurpação de função. Tem-se o excesso de poder ou abuso quando o agente público extrapola os limites de sua alçada; já na função “de fato” acontece quando alguém que praticou um ato está irregular na investida do cargo ou função, sendo que a sua situação aparenta legitimidade. E a usurpação de função é crime contido no Código Penal art. 328:

“Usurpar o exercício de função pública”. Ele ocorre quando a pessoa que pratica o ato não foi por qualquer modo investido no cargo, emprego ou função; ela se apossa, por conta própria, do exercício de atribuições próprias de agente público, sem ter essa qualidade.

O crime de usurpação de função pública apenas pode ser praticado por particular.
Na inaugural do art. 328 capítulo "Dos Crimes Praticados por Particular Contra a Administração em Geral". Fica claro que é uma pré-condição para ação. Todavia existem outros entendimentos e considerações diversas. Particularmente vejo a possibilidade em fase remota, pois o agente deve agir de forma dolosa, onde sua atuação inexista condição de credibilidade para tal, haja vista o agente mesmo possuindo tal condição em nada tem haver com a situação que se expõe. Por fim, condições contrárias o agente público deve agir, de forma fraudulenta e dolosa, e totalmente fora de suas atribuições, não estando no desempenho funcional, passando para a condição de particular, não deixando margem para provável atuação do meio ou que assim possa entender-se; comprometendo desta forma o decoro do serviço público. A visa do servidor neste caso é particular, em nada tem fundo público ou visa resguardar a função, a pratica ou a atuação pública; dela ele tenta tirar proveito para si seja este qual for o proveito, fraudando, passando-se ou mantendo-se em condição que não possui (ou não possui mais...). Como o legislador não imputou condição de vantagem pode-se entender que esta venha ser qualquer vantagem desde ganhos vultosos a inexpressivos,

Por conseguinte, considero condição ‘sine qua non’ que o agente seja particular, esteja particular ou vise o “fundo particular”, pois se assim não for o crime que o servidor público pratica nesta situação é o velho Excesso de Poder ou ainda o Desvio de Finalidade.

Se não é assim o pensamento da maioria doutrinaria, nessa guisa ao menos segue alguns julgados e jurisprudências, pois se não, veja:

USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA-GUARDA MUNICIPAL - Guarda municipal que pratica ato da competência da policia militar - Tipificação - Inocorrência - Inteligência: art. 328 do Código Penal, art. 144, § 5º da Constituição da República, Decreto-Lei nº 1.072/69, Decreto-Lei nº 2.010/83, Decreto-Lei nº 1.406/75, Decreto nº 88.777/83
Inocorre a tipificação do delito previsto no art. 328 do CP pela conduta de chefe da Guarda Municipal que realiza operação ostensiva, conhecida por "bloqueio", de competência exclusiva da Polícia Militar, pois, esse crime não é comissível por agente da própria Administração Pública, sendo necessário que o sujeito ativo seja um particular.
(Recurso de Habeas Corpus nº 683.813/3, Julgado em 11/11/1.991, 11ª Câmara, Relator: - Sidnei Beneti, Declaração de voto vencido: - Gilberto Gama, RJDTACRIM 14/206)
E ainda:
USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RSE 3573 PR 2000.70.02.003573-3 - Não comete crime o Delegado e Investigador da Polícia Civil que efetuam prisão em flagrante de tráfico internacional de entorpecentes, ainda que a competência para a investigação e julgamento seja dos órgãos federais (Polícia Federal e Justiça Federal).
O crime de usurpação de função pública, em regra, somente pode ser praticado pelo particular. Poderá ser cometido por funcionário público quando este atuar, de forma fraudulenta e dolosa, além ou totalmente fora de suas atribuições, com o que acaba por comprometer a seriedade e o decoro do serviço público. No caso, esta hipótese incorreu.
Para a caracterização do crime de usurpação de função pública, é necessário que o agente se faça passar por algo que ele não é, ou seja, que ele se faça passar por ocupante de função que não lhe pertence, enganando e ludibriando o administrado. Inteligência do art. 328 do Código Penal.


Desta forma, fica evidente que a fala do chefe da vigilância sanitária feirense é no mínimo inconcebível, além de imoral por tudo que ele poderia fazer e não o fez, além de ficar claro que os policiais em momento algum tentaram passar pelo que não são ou tiveram o intento de auferir lucros pessoais de qual ordem possam imaginar. Estes apenas cumpriram dever de outrem que se negara a cumprir e se irregularidade houve, não foi às que lhes imputaram.

Talvez quando todos começaram a fazer sua parte, em prol do bem comum ou passaram a compreender o que realmente significa ser Servidor Público, tanto na essência como na concretude da carapaça, as coisas melhorem para todos os lados. Não defendo a invasão de poder ou atuação, seja esta por parte de qual força for, deve-se ter noção de preservação de cada área de atuação por cada órgão ou ente, contudo existem situações gritantes onde os poderes devem coadunar com dadas atuações ou no mínimo dar estio para estes entes.

Trazendo a baila em questão para a PMBA, é factível e emblemático no histórico da Corporação baiana situações de tal ordem, tanto nas reais incursões em seara alheio como em acuações de tê-lo feito, mesmo sabendo das dificuldades que a realidade nos enxota, é momento de parar para analisar tais situações, pondo um fim nestes desvios e cooperando com quem de direito e sempre, sempre visando o bem maior, a sociedade!

Autor:
Ewerton Monteiro Policial Militar, graduando no bacharelado de Ciências Jurídicas da Faculdade Anísio Teixeira – FAT e graduando em Licenciatura em História na Universidade do Estado da Bahia – UNEB